Leitura compartilhada do dia:
Os livros e a infidelidade
(Rubem Alves)
Era uma mulher bonita que os olhos não conseguem ignorar. Seu marido sabia disso e vigiava os olhares de admiração dos homens. Tratava-se de uma situação sem maldade alguma porque ela era uma mulher recatada e católica e um pensamento de infidelidade jamais lhe passaria pela cabeça. Seu marido ficava se roendo de ciúmes, embora ela nunca tivesse lhe dado uma razão para desconfiança. Mas o ciumento não precisa de razões. Todos os gestos, para ele, eram indícios de uma infidelidade possível. Assim ela foi se retraindo, virando caramujo dentro da concha, ficando caseira para poupar-se da desconfiança do marido e para poupá-lo do sofrimento que sua própria desconfiança lhe causava.O fato era que ela o amava. Seus limites domésticos não a afligiam muito porque ela tinha um prazer enorme em literatura. Tomava um livro, assentava-se numa poltrona e punha-se a ler. O marido assentava-se longe, sem livro algum na mão porque o que ele desejava era lê-la em busca de evidências para suas suspeitas.Acontece que a leitura tem uma virtude paradoxal: ela faz-nos abstrair do mundo real. Mudamo-nos para um outro mundo que aqueles que nos vêem lendo não podem imaginar. Olho para aquela jovem assentada no banco do metrô. Sei onde ela está. Sei mesmo? Ela está lendo um livro. O fato de ela estar lendo um livro me diz que ela se encontra num outro lugar que desconheço. Um livro nos conduz a um lugar de intimidade só nosso. Por vezes tenho a infelicidade de me assentar ao lado de um chato. Há muitas definições possíveis para um chato porque a chatisse é multiforme. Uma das definições possíveis é: um chato é uma pessoa que acha que aquilo que ela tem para falar é mais interessante do que o livro que estamos lendo. Para resolver essa situação há dois caminhos: ou ser grosseiro ou ser mais chato que o chato: começamos a contar para ele o livro que estamos lendo. Ele logo fugirá de nós pelo artifício do sono deixando-nos em paz. Sem sair do seu lugar, ela entrava num outro lugar do qual seu marido estava ausente. Ele a via sem saber onde ela estava. Ler é um jeito de fugir do outro. Aí acontecia o insuportável para o marido: observando o rosto da sua esposa ele notava sorrisos que, por vezes, se transformavam em riso! O que lhe estaria dando aquele prazer? Aqueles risos e sorrisos brotavam de uma profundidade de prazer da qual ele estava excluído. Mas isso, precisamente, é o que o ciumento não pode suportar: que a pessoa amada tenha prazer sem a sua presença. O que o riso inocente da esposa lhe dizia era: "Não preciso de você para ter prazer." A leitura, para ela, era um delicioso lugar de infidelidade. Traduzindo para a linguagem política: a leitura é um lugar secreto de subversão. Toda subversão é, no fundo, infidelidade a olhos que nos vigiam. Os regimes totalitários sempre tiveram medo dos livros. A Igreja Católica chegou a formular um Index Librorum Prohibitorum, uma lista de livros de leitura proibida. Por que? Porque os livros nos levam a outros mundos. Pela leitura alienamo-nos da realidade para, depois de passear por outros mundos, voltarmos ao mundo em que vivemos e o vemos então de uma outra forma. Um livro que amamos na mão de uma pessoa desconhecida revela-nos um conspirador: moramos no mesmo mundo! Será que os jovens, com a lista de livros a serem lidos para o vestibular, têm idéias de infidelidade e subversão? Para isso seria preciso que os professores os ensinassem...
Era uma mulher bonita que os olhos não conseguem ignorar. Seu marido sabia disso e vigiava os olhares de admiração dos homens. Tratava-se de uma situação sem maldade alguma porque ela era uma mulher recatada e católica e um pensamento de infidelidade jamais lhe passaria pela cabeça. Seu marido ficava se roendo de ciúmes, embora ela nunca tivesse lhe dado uma razão para desconfiança. Mas o ciumento não precisa de razões. Todos os gestos, para ele, eram indícios de uma infidelidade possível. Assim ela foi se retraindo, virando caramujo dentro da concha, ficando caseira para poupar-se da desconfiança do marido e para poupá-lo do sofrimento que sua própria desconfiança lhe causava.O fato era que ela o amava. Seus limites domésticos não a afligiam muito porque ela tinha um prazer enorme em literatura. Tomava um livro, assentava-se numa poltrona e punha-se a ler. O marido assentava-se longe, sem livro algum na mão porque o que ele desejava era lê-la em busca de evidências para suas suspeitas.Acontece que a leitura tem uma virtude paradoxal: ela faz-nos abstrair do mundo real. Mudamo-nos para um outro mundo que aqueles que nos vêem lendo não podem imaginar. Olho para aquela jovem assentada no banco do metrô. Sei onde ela está. Sei mesmo? Ela está lendo um livro. O fato de ela estar lendo um livro me diz que ela se encontra num outro lugar que desconheço. Um livro nos conduz a um lugar de intimidade só nosso. Por vezes tenho a infelicidade de me assentar ao lado de um chato. Há muitas definições possíveis para um chato porque a chatisse é multiforme. Uma das definições possíveis é: um chato é uma pessoa que acha que aquilo que ela tem para falar é mais interessante do que o livro que estamos lendo. Para resolver essa situação há dois caminhos: ou ser grosseiro ou ser mais chato que o chato: começamos a contar para ele o livro que estamos lendo. Ele logo fugirá de nós pelo artifício do sono deixando-nos em paz. Sem sair do seu lugar, ela entrava num outro lugar do qual seu marido estava ausente. Ele a via sem saber onde ela estava. Ler é um jeito de fugir do outro. Aí acontecia o insuportável para o marido: observando o rosto da sua esposa ele notava sorrisos que, por vezes, se transformavam em riso! O que lhe estaria dando aquele prazer? Aqueles risos e sorrisos brotavam de uma profundidade de prazer da qual ele estava excluído. Mas isso, precisamente, é o que o ciumento não pode suportar: que a pessoa amada tenha prazer sem a sua presença. O que o riso inocente da esposa lhe dizia era: "Não preciso de você para ter prazer." A leitura, para ela, era um delicioso lugar de infidelidade. Traduzindo para a linguagem política: a leitura é um lugar secreto de subversão. Toda subversão é, no fundo, infidelidade a olhos que nos vigiam. Os regimes totalitários sempre tiveram medo dos livros. A Igreja Católica chegou a formular um Index Librorum Prohibitorum, uma lista de livros de leitura proibida. Por que? Porque os livros nos levam a outros mundos. Pela leitura alienamo-nos da realidade para, depois de passear por outros mundos, voltarmos ao mundo em que vivemos e o vemos então de uma outra forma. Um livro que amamos na mão de uma pessoa desconhecida revela-nos um conspirador: moramos no mesmo mundo! Será que os jovens, com a lista de livros a serem lidos para o vestibular, têm idéias de infidelidade e subversão? Para isso seria preciso que os professores os ensinassem...
Teólogo, filósofo e psicanalista, autor de 40 livros.
Discussão da análise feita pelo professor Dioney sobre a linguística e o ensino de língua portuguesa através da letra da música Asa Branca de Luiz Gonzaga:
Asa Branca
(Luiz Gonzaga e H. Teixeira)
Quando oiei a terra ardendo
Qual fogueira de São João,
Eu preguntei a Deus do céu, ai,
Por que tamanha judiação...
Que braseiro, que fornáia
Nem um pé de prantação
Pru farta d’água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão...
Inté mesmo a Asa Branca
Bateu asas do sertão
Entonce eu disse adeus, Rosinha,
Guarda contigo o meu coração...
Hoje, longe muitas légua,
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim vortá pro meu sertão.
Quando o verde dos teus óio
Se espaiá na prantação,
Eu te asseguro, num chore não, viu
Que eu vortarei, viu, meu coração...
Aspectos observados:
Uso sitemático de “i” no lugar de “lh”: palatalização
Outros exemplos: “mulher” > “muié” “filho” > “fio” “sonho” > “sõio “banha” > “bãia”
Mudança regular do “l” para o “r”: rotacismo
Várias palavras como “igreja” tinham, originalmente em latim, um “l”: ecclesia
Marca do plural apenas no primeiro elemento do sintagma (conjunto).
Existem casos de versões cantadas da música em que, ao invés de “Pra mim vortá pro meu sertão”, fala-se“Pra eu voltar pro meu sertão”
Eles querem mostrar que aprenderam direitinho a lição: “mim não faz nada”, “mim é coisa de índio” (?)
Pronomes do caso reto (eu, tu ele...) e pronomes do caso oblíquo (me, te, mim, ti...): herança latina.Mais um anacronismo da língua.
75% dos brasileiros não sabem, em profundidade, ler escrever. Por quê?
Não existe erro quando um fenômeno faz parte do sistema lingüístico de um grupo de falantes.
Fatos em nossa língua materna como esses mostrados poderiam servir como revisão das regras impostas pela gramática escolar.
As regras lingüísticas presentes na música (representantes de mudanças regulares) são apenas diferentes da norma prevista na língua – supostamente – ensinada na escola.
É preciso criar uma tolerância quanto aos usos que a língua portuguesa permite.
Um profissional da área de Letras deve saber identificar os fenômenos da língua e valorizar a diversidade. Nesse trabalho ele pode, e deve, fazer uso das várias ferramentas que a Lingüística, enquanto Ciência, pode lhe oferecer.
Formas antigas (arcaísmos) de “até” e “então”.
Achado valiosíssimo do ponto de vista cultural, histórico e social.
Observamos também que os mesmos fenômenos da língua ocorreram em nossas turmas, entre os alunos e até entre nós mesmos em conversas informais. (*Ver exemplos em 3º encontro)
INTERAÇÃO, LINGUAGEM E TEXTOS
LÍNGUA – SISTEMA DE SIGNOS, OU DE SINAIS SIGNIFICATIVOS
SIGNOS- TODO E QUALQUER SINAL QUE REPRESENTA UM OBJETO E SE OPÕE A OUTROS SIGNOS QUE, JUNTAMENTE COM ELE CONSTITUI-SE UM SISTEMA SIGNIFICATIVO
ENSINO TRADICIONAL: ESTRUTURALISTA COM FOCO NO CÓDIGO (PALAVRAS E COMBINAÇÕES DE PALAVRAS)
LÍNGUA :VEÍCULO DE COMUNICAÇÃO, FORMA DE INTERAÇÃO SOBRE OS OUTROS E COM O MUNDO (ATUAÇÃO SOCIAL)
TEXTO
• VEÍCULO DE INTERAÇÃO OU AÇÃO SOCIAL
• ENCADEAMENTO DE IDÉIAS
• UM TODO SIGNIFICATIVO (UNIDADE DE SENTIDOS)
• UM TEXTO É RESULTADO DE UMA ATIVIDADE,
• UM TRABALHO COM OS SIGNOS LINGUÍSTICOS
• TODO TEXTO, SENDO TRABALHO, PRESSUPÕE SUJEITOS QUE SE ENGAJAM NESSA ATIVIDADE
• TODO TEXTO SE REALIZA EM UMA DETERMINADA SITUAÇÃO OU CONTEXTO NO ESPAÇO, NO TEMPO E TEM UMA FINALIDADE;
• UM TEXTO É, PORTANTO, UMA FORMA DE INTERAÇÃO SOCIAL E CULTURAL, ALÉM DE LINGUÍSTICA
RELAÇÃO ENTRE ESTRUTURAS LINGUÍSTICAS
COESÃO
MODO COMO OS ELEMENTOS PRESENTES NA SUPERFÍCIE TEXTUAL SE ENCONTRAM INTERLIGADOS, POR MEIO DE RECURSOS LINGUÍSTICOS, FORMANDO SEQUÊNCIAS VEICULADORAS DE SENTIDOS.
FUNÇÃO: ORGANIZAR O TEXTO
COERÊNCIA
ATUAÇÃO CONJUNTA DE UMA SÉRIE DE FATORES DE ORDEM COGNITIVA, SITUACIONAL, SOCIOCULTURAL E INTERACIONAL.
FUNÇÃO: PRODUZIR SENTIDO
Quando falo, quais pessoas ou personagens eu trago para o meu discurso?
Qual sombra que meu discurso deixa para o outro?
Eu gosto de recorrer a falas dos meus pais, de amigos ou colegas de profissão. Geralmente esses personagens são citados porque os considero inteligentes ou humorados. Às vezes eu tenho o costume de dizer “como diz o outro...” que é um hábito que adquiri com meu pai ainda criança. É como se eu dissesse que já ouvi alguém dizer isso dando mais importância para o que se diz do que quem disse. Mas quando é relevante validar o discurso eu faço questão de informar a fonte, ou seja, dizer quem me falou algo.